Christian Metz e André Bazin: Cinema, realismo significado

Bernardo Ale Abinader
Rafael Dias
Thiago Morais
Valentina Oliveira


O fim da Segunda Guerra Mundial trouxe consigo uma série de mudanças políticas, econômicas e sociais que acabaram evidenciando uma nova forma de fazer cinema, que punha em xeque o modelo narrativo clássico da sétima arte. Além das influências na narratividade do cinema, as novas experimentações no campo cinematográfico e outros elementos já manifestavam uma debilidade no modelo do cinema de ação (à exemplo dos filmes hollywoodianos). 

Em menos de 10 anos o cinema migrou drasticamente do campo do entretenimento (de um cinema de imagens sensório-motoras, automáticas) para o retrato de uma realidade muito menos agradável de se observar. Surgia no cerne de uma sociedade fragilizada um cinema que primava por imagens cada vez mais próximas do real, mais preocupado com a verdade das relações sociais, mais atento e mais político. Autores como Visconti, Antonioni, Fellini, De Sica e Rossellini inauguravam um movimento de cinema que viria a ser o principal expoente desta nova imagem que até então apenas se insinuava. O neorrealismo, surgido na Itália ao final da Segunda Guerra Mundial, ao mostrar a banalidade e as dificuldades da vida cotidiana, atingia, segundo André Bazin, sua "plenitude", pois revelava-se como "a arte do real"[1].

A teoria de Bazin dialoga com os filmes do neorrealismo italiano e da Nouvelle Vague, pois encontra nestas obras uma forte inclinação ao real. O que está no centro de sua teoria são as impressões de realidade deixadas na imagem cinematográfica, às quais podemos nos referir como matéria-prima do cinema, segundo Bazin, e capazes de serem usadas pelo cineasta de forma criativa como "desenhos da realidade".Até este momento, para Bazin, as teorias do cinema clássicas haviam abordado apenas os tipos mais óbvios de estilos e forma fílmicos. A forma e o estilo da teoria realista, por outro lado, surgem quando o cineasta é capaz de confrontar a "realidade crua" de seu material com sua própria capacidade de abstração. Isso se torna evidente e único na qualidade (plasticidade) e na montagem (ordenação) das imagens do filme.

A teoria de Bazin teve grande influência nos estudos sobre cinema, mas propiciou também o surgimento de muitas teses contrárias. A semiótica de Christian Metz caminhava nessa contramão, liderando "uma onda de revolta para substituir o existencialismo idealista de Bazin por um estruturalismo materialista"[2].O intuito da semiótica era, antes de tudo, compreender de que modo se formam os signos na mente humana e como o cinema pode moldá-los. A semiótica cinematográfica se propõe a construir um modelo abrangente capaz de explicar como um filme adquire significado ou o transmite para uma plateia. Para isso, esta teoria trabalha com noções da linguística, como significante e significado. Deste modo, cada aspecto pertencente ao filme deve conter um significado oculto a ser apreendido pelo público. A tarefa da semiótica é desvendá-los.

"Ladrões de Bicicleta" (1948), Vittorio de Sica.
Com o advento do cinema moderno, por exemplo, os signos da imagem de ação foram substituídos por signos óticos e sonoros puros, ou seja, não mais dependentes do enredo ou da ação. As imagens cada vez mais realistas adquiriam significado por si mesmas. Ladrões de Bicicleta (1948), de Vittorio de Sica, é mestre em evidenciar este tipo de imagem. Tanto para Bazin, quanto para Metz, as técnicas deste novo cinema permeavam seu campo conceitual. Técnicas como osraccords, caros ao cinema clássicopor  darem ao filme uma impressão de homogeneidade e coesão, foram substituídas por planos contínuos, que não mais interrompiam o movimento para dar espaço à ilusão da montagem. Em Ladrões de Bicicletao plano-sequência evidencia uma montagem não em prol do movimento, da ação, mas que visa as relações mentais dentro do filme. É uma montagem que prevê o ritmo do pensamento. Assim também trabalha a profundidade de campo: ao colocar tudo em foco, ela aumenta nosso campo de atenção dentro de filme, expandindo nossa percepção e a gama de interpretações possíveis. Para Metz, cada gesto e cada objeto em foco carrega consigo os signos próprios deste cinema neorrealista.

Se nossa intenção é pensar os signos do cinema com base nas imagens e nos sons que ele evidencia, podemos, por exemplo, ao interpretar a cena acima, observar toda composição do quadro. A cena faz parte do momento final de Ladrões de Bicicleta, após a tentativa fracassada do pai de recuperar sua bicicleta roubada. Em primeiro plano vemos o pai desesperançoso com o filho ao lado e ao fundo uma vasta quantidade de bicicletas, inacessíveis aos dois. A bicicleta representa não só um meio de transporte para as personagens. Ela significa o trabalho, o meio de ascensão social, uma esperança dentro do contexto difícil do pós-guerra na Itália. 

Por fim, é com este tipo de significação que trabalha a semiótica de Metz. Por outro lado, para Bazin, o cinema tinha função diferente: ele operava como um "sexto sentido ou instrumento privilegiado"[3] de pensamento; elemento autossuficiente e de alta complexidade.

Baseando-se nos pressupostos teóricos, a equipe produziu o vídeo abaixo:






[1] ANDREW, J. D. As principais teorias do cinema: uma introdução. Tradução Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. p. 115
[2] ANDREW, J. D. As principais teorias do cinema: uma introdução. Tradução Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. p. 148
[3] ANDREW, J. D. As principais teorias do cinema: uma introdução. Tradução Teresa Ottoni. Rio de Janeiro: Zahar, 2002. p. 140.

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Sobre

Espaço de discussão sobre as principais teorias do cinema, apresentando alguns de seus pensadores essenciais. Os textos são produções dos alunos do curso de Tecnologia em Produção Audiovisual da Universidade do Estado do Amazonas (UEA).